quarta-feira, 29 de junho de 2011

Minhas Crises nos Semáfaros

Eu tenho crises nos cruzamentos das avenidas da minha cidade. Eu não suporto quando a sinaleira fecha e tenho que esperar uma eternidade até que a luz verde permita que o trânsito flua. Ah, se eu pudesse, certamente inventaria um trânsito tão perfeito que ninguém precisaria parar em sinal vermelho. Não é que eu seja tão impaciente que não consiga esperar alguns minutos, não é a espera propriamente dita que me deixa em crise, mas os acontecimentos do tempo da espera, sobretudo, os constrangimentos pelos quais passo.

Primeiro são aqueles meninos famintos que ficam jogando umas bolinhas pra cima, num arremedo de “show” de malabarismo. Tem uns que querem nos convencer de que são artistas de fato e, por isso, sobem uns nas costas dos outros, na tentativa de produzir uma pirâmide humana. Os mais fortinhos servem de apoio para os mais magrinhos que ficam jogando as bolinhas pro alto como se estivessem num circo a céu aberto. E depois do breve espetáculo improvisado, saem em busca de alguma moeda, estendendo a mão diante de cada carro preso na armadilha do semáforo. Também tem aquele pessoal das cadeiras de rodas, que vende balas, chicletes e chocolates, que nos intimam com os seus olhares sofridos, que apelam pra nossa misericórdia que nos faz comprar. E quando não compramos, nos sentimos mal, como se não tivéssemos coração. Além deles, tem a turma das entidades sociais que estendem uma faixa de um lado ao outro do cruzamento com dizeres que nos estimulam a algum tipo de contribuição. Então a equipe se põe a postos passando de veículo em veículo buscando arrecadar algum trocado, nos dando a opção de sermos generosos ou de fazermos uma declaração pública de insensibilidade. Claro que não posso me esquecer da garotada que tenta "limpar" o pára-brisa do automóvel e depois reivindica o “pagamento pelo serviço prestado”. Aqueles rodinhos e aquela água ensebada são o terror dos motoristas.

Mas, por favor, não pensem mal de mim, a minha crise não tem base no dinheirinho que damos ou deixamos de dar. Não tem nada a ver com as moedas que ficam no console do carro, se vão levá-las ou se vou conseguir depositá-las no cofrinho das crianças. Mas tem a ver com uma mazela social que continua crescendo, que está cada dia mais perto da gente, que muitas vezes sai das sinaleiras e migra para o crime, para o mundo das drogas, que faz com que os “malabaristas” se transformem em crianças violentas que matam chefes de família, donas de casa, jovens promissores. Que causam dor na família, que produzem traumas insuperáveis. Tem a ver com a banalização da violência que já não choca como antes, que alimenta os noticiários, mas não é mais novidade, que já faz parte do cotidiano, mas que, mesmo assim, parece tão longe da gente até que chega a hora que toca a campainha da nossa casa. Tem a ver com a minha participação nisso tudo. Será que eu tenho um papel maior a desempenhar como cidadão, ou devo reduzir o meu desempenho à só reclamar dos governantes? Será que a única coisa que nos resta é falar mal dos políticos? Será que a nossa cidadania se resume a isso ou temos mais o que fazer? Ou será que a gente tem que torcer por um sinal verde permanente que nos deixa passar sem nos incomodar com os que não podem desfrutar do nosso ar condicionado? Essas são algumas perguntas das minhas crises, que ficam maiores quando chego à conclusão de que “nunca antes na história desse país” o sinal vermelho se acendeu tão forte diante dos nossos olhos.

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