quinta-feira, 7 de julho de 2011

Feito Goma de Mascar

Ainda que não quisesse ouvir, não teve jeito. O restaurante, se é que posso chamá-lo assim, era apertadinho. As mesas eram tão perto umas das outras que mal dava pra passar entre elas. O rapazinho que fazia o papel de garçom se espremia pra circular entre as mesas, equilibrando as bandejas onde transportava os pratos feitos que eram montados e servidos às largas aos clientes que, como eu, não tinham muito tempo pra almoçar.

Nessa época, eu estava fazendo uns treinamentos pela empresa em São Paulo, mas de fato trabalhava no interior do Estado. Então, uma semana por mês, dormia num hotelzinho mal-cheiroso, na Barão de Limeira, paralela com a Avenida São João – aquela mesma que o Caetano Veloso celebrizou na música “Sampa”. E durante o dia era correria pura. Sete e meia começava o treinamento. Meio dia e trinta, hora do almoço. Uma e meia, todo mundo de volta. Os horários eram rigorosos, atrasos não eram permitidos. Então, quando nos liberavam para o almoço, não esperávamos nem o elevador. Descíamos seis andares pela escada pra ganhar tempo. E aí, com passos ligeiros nos dirigíamos para o restaurante onde o preço da comida cabia no nosso bolso.

Um daqueles dias ficou marcado, não pela comida, mas pela conversa de dois rapazes que eu nunca tinha visto na minha vida antes. Eles estavam na mesa ao lado da minha e não faziam nenhuma questão de serem discretos. Falavam alto e um deles compartilhava o seu dilema. Dizia ele que o salário que estava ganhando só dava pra comprar as roupas que ele precisava usar pra poder trabalhar. Num misto de indignação e conformismo, ele se explicava ao amigo:

– Meu, o que eu posso fazer? A grana que eu ganho é a conta pra eu poder comprar as roupas que eles exigem pra poder trabalhar. A gente tem que andar bem vestido lá, senão eles mandam embora. Então, eu descobri que eu tô trabalhando pra comprar roupa pra poder trabalhar. Entendeu, meu? Eu trabalho pra comprar roupa pra poder trabalhar pra comprar roupa pra poder trabalhar pra comprar roupa...

Eu passei o resto do dia com aquele diálogo na cabeça. Perplexo, pensei: “Que lógica perversa!” Que perspectiva alguém pode ter quando fica preso numa rotina dessas? Que vida pode existir nessa “vida” que só nos consome e nada nos oferece? Que alegria pode ter os que correm atrás do vento, que mesmo sentindo o seu toque, sabem que jamais o alcançarão? Infelizmente, não são poucos os que vivem sem uma razão mais nobre, prisioneiros de um sistema que mastiga o ser humano e depois o cospe feito goma de mascar.

3 comentários:

Tiago do Valle disse...

E nós acabamos presos nestas bolas de neve de vazio e futilidades, que rolam soltas e cada vez mais devastadoras. Bela crônica, Laerte, como sempre!

Dolce Vita disse...

Olá Laerte,


Há uma grande diferença entre trabalho e emprego. Muitos não sabem o que é o primeiro. Grande crônica!


Beijos
Dolce

Anônimo disse...

Dá mesmo,o que pensar,caro Laerte!Como este são milhares...parabens pela bela cronica social e actualíssima!penso,que nunca deixará de o ser...beijos!!Alga

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